Já 
            virou produto corrente no mercado de detetives. Em meio a anúncios 
            de serviços em casos conjugais e empresariais, as agências 
            particulares se oferecem para vasculhar a vida de filhos adolescentes. 
            Ao ver uma dessas propagandas, Selma (nome fictício) decidiu 
            contratar um profissional para investigar seus filhos, então 
            com dez e treze anos. Isso foi há um ano. 
            - Via muita notícia de tráfico de droga e pedofilia 
            que existe na internet. Fiquei com medo e quis contratar o detetive 
            para saber o que eles viam, conta a mãe, que pertence à 
            classe A. A reportagem conversou com ela por telefone, sem identificar 
            seu nome, por intermédio do investigador particular. Na frente 
            da reportagem, outro detetive ligou para alguns clientes solicitando 
            o depoimento, em vão. Ninguém quer falar, mesmo sem 
            revelar o nome. 
           O 
            casal de filhos de Selma mudou o comportamento e passou a permanecer 
            horas a fio à frente do computador, na rede mundial de computadores. 
            A mãe alimentou dúvidas por dois meses, e passou a considerar 
            a contratação de um detetive depois da notícia 
            de uma avó, em São José do Rio Preto, que se 
            passou pela neta e descobriu que a menina era aliciada por um pedófilo, 
            em salas de bate-papo. Ela pagou mil reais para que o detetive instalasse 
            um programa espião no computador dos filhos, com objetivo de 
            verificar as visitas a sites, imagens vistas e conversas tecladas. 
            O trabalho durou oito dias. 
            
            Drogas 
           Mas a maioria das buscas para investigação do próprio 
            filho é em função da suspeita de uso de entorpecentes. 
            A demanda aumentou nos últimos cinco anos, dizem os detetives. 
            - Há 20 anos os pais queriam saber se a criança matava 
            aula. De um tempo para cá, passaram a se preocupar com drogas, 
            e hoje, com o sexo, comenta o agente D.F., que não quer se 
            identificar. 
            A própria justificativa da investigação também 
            mudou, de uma década para cá. Atualmente, a família 
            cita a palavra “droga” quando procura um detetive. 
            - Antes eles falavam que queriam ver se o filho andava com más 
            companhias, compara Eduardo Smith, no ramo há doze anos. 
            
            Idades 
           A área conjugal ainda é o principal filão para 
            os detetives, à frente das questões empresariais, em 
            que funcionários são os investigados – casos de espionagem 
            industrial, venda de informações e roubo são 
            as mais freqüentes constatações. 
           Mas investigação de filhos passou de dez para trinta 
            por cento da demanda, afirma Smith, cujo sobrenome não é 
            referência a detetives de romance, mas um apelido alcunhado 
            por amigos. 
            Setenta por cento dos investigados são homens, e a idade (de 
            ambos os sexos) varia muito: a maior parte entre os 14 e 18 anos, 
            mas há investigados de até 25 anos. 
            
            A missão 
           Os 
            detetives preferem não usar o termo “perseguição”. 
            Dizem que fazem o “acompanhamento” dos investigados, missão 
            que sai de R$ 280 a R$ 500 cada três horas, dependendo das distâncias 
            percorridas e do nível de sofisticação do trabalho. 
            Chegam a usar binóculos que filmam no escuro, câmeras 
            escondidas em óculos e até roupas caras, se precisarem 
            entrar num local mais “chique”. Também não dispensam 
            o tênis e o bermudão, se a ação for numa 
            rave. 
            - Tenho freqüentado muitas baladas, diz Smith. 
            Numa festa eletrônica, verificou que o rapaz que investigava 
            tinha conduta errada. Mas a constatação era diferente 
            do que suspeitava o tio, que contratara o detetive. 
            - Diferentemente do que ele pensava, o rapaz não só 
            usava drogas, mas traficava. Ele passava a mercadoria dentro de banheiros 
            químicos, relata o investigador. 
            Nessas investigações, D.F. descobriu que um adolescente 
            de 19 anos não estava envolvido em drogas, como pensavam os 
            pais, mas com outro homem. Uma mãe, do estado de Goiás, 
            já contratou o agente Breno Teodoro para detectar porque a 
            filha, universitária em Ribeirão, andava com roupas 
            caras. A estudante saía com um homem mais velho, que lhe dava 
            dinheiro. 
            Na internet, há vezes em que o detetive se passa pela criança 
            para conversar com quem está do outro lado, destaca Teodoro. 
            Trinta por cento dos solicitações que recebe são 
            de investigações no ambiente virtual. 
            - Quarenta por cento dos investigados estão em algum tipo de 
            desvio, diz. 
            
            Reações 
           Apesar de suspeitarem a ponto de contratar detetives, muitos pais 
            acompanham as investigações com um sentimento contraditório. 
            - Eles torcem para que o filho não seja pego, cita D.F. 
            Mas se constatam que o filho está comprando drogas, por exemplo, 
            o trabalho pára por aí. As famílias nem querem 
            saber quem são os fornecedores do entorpecente. 
            - Eles só querem salvar o filho, e acabou, conta Smith. 
            
            
            Investigação existe porque falta diálogo, dizem 
            especialistas 
            Selma diz que contratou detetive para verificar o que os filhos viam 
            na internet por prevenção. 
            - Não acho invasão. Eles são crianças 
            e eu sou responsável pelo bem-estar deles, declara. 
            Para psicólogos e psiquiatras, a investigação 
            existe porque falta diálogo entre pais e filhos. 
            - Se ele contrata, é porque não sabe o que acontece 
            com o filho. É um desastre da relação afetiva, 
            afirma Sérgio Kodato, professor de Psicologia da Universidade 
            de São Paulo, em Ribeirão. 
            Essa atitude é considerada extrema, assim como quando há 
            evidências de que o filho está em conduta errada, mas 
            os pais não admitem. Isso seria negligência, comenta 
            o psiquiatra Erikson Furtado, da faculdade de Medicina da USP, em 
            Ribeirão, que trabalha com adolescentes há duas décadas. 
            - Do ponto de vista da saúde e do tratamento, isso não 
            é recomendado, diz. 
            Investigar a vida dos filhos dessa forma é medida autoritária 
            e antiética, avalia Kodato. Pode significar padrões 
            muito rígidos e sentimentos reprimidos. O professor diz que 
            há pais nas gerações atuais que ainda não 
            sabem lidar com a individualidade dos filhos. 
            - Antigamente, o filho seguia o pai em tudo, até na profissão, 
            destaca. 
            O ideal é que haja comunicação entre os familiares 
            para que a situação não chegue a esse ponto, 
            de contratar intervenção externa. Furtado ressalta que 
            há sinais indicativos, geralmente relacionados à mudança 
            do padrão de comportamento – o que também ocorre quando 
            o adolescente passa “simplesmente” por depressão. 
            - Se há suspeita, o melhor é conversar e estabelecer 
            novas regras, diz Furtado, sobre uso de drogas e outras condutas inadequadas. 
          
           
                             
          
 
                            
          Sou um cêrebro, Watson. O resto de mim é um mero apêndice” 
          
                                                  
              Sherlock Holmes 
          
           
           
          
       
       DETETIVE BRENO TEODORO Investigações que dão resultado: quarenta por cento dos adolescentes estão envolvidos em algum tipo de desvio