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Ele sabe mais que a CIA

 

 

O criador do primeiro serviço privado mundial de inteligência tem mais de 10 000 olheiros e uma invejável taxa de acerto

Jack Plunkeh/AP


"O mundo não está mais inseguro após os ataques aos americanos. Mas ficou a sensação de que podemos ser vítimas a qualquer hora"

O cientista político americano George Friedman, 52 anos, criou em poucos anos uma organização mundial de informações. Em amplitude geográfica, só tem paralelo na CIA, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos. Com a eclosão da guerra ao terror, a empresa de Friedman, a Stratfor, foi subitamente guindada ao estrelato. Suas análises e previsões sobre o desenrolar da guerra mostraram um grau de acerto que em alguns casos superou o da própria CIA. "Não gostamos de ser comparados à agência governamental. Ela trabalha para o governo, visa a defender o interesse nacional. Nós trabalhamos por dinheiro", diz Friedman. Ele se orgulha de ter criado a primeira agência internacional de inteligência privada e prevê que esse tipo de serviço, graças às facilidades de comunicação da internet, tende a ser um promissor campo de negócios. Seus clientes pagam até 40.000 dólares por mês para receber informações especializadas. A Stratfor vende via internet um serviço de alerta e análises mais gerais que custa 79 dólares por ano. Casado e pai de quatro filhos, Friedman vive em Austin, no Texas, de onde falou a VEJA.

Veja – O Afeganistão está praticamente dominado do ponto de vista militar e político. A Al Qaeda está desmantelada no país onde tinha toda a liberdade de movimento. O senhor acredita que atacar o Iraque será o próximo passo da guerra ao terror?
Friedman –
Não acredito que o Iraque seja o próximo alvo. Atacar o país de Saddam Hussein é uma alternativa muito forte entre os poderosos do governo de George W. Bush. Mas não creio que a coalizão internacional tenha firmeza suficiente para dar esse passo em conjunto. Além disso, é altamente improvável que o Iraque sirva de apoio territorial ao que sobrou da Al Qaeda. Os iraquianos escravizam todas as facções internas, e a Al Qaeda acabaria sendo feita refém pelo governo de Saddam. Essa situação não serve a seus objetivos. A Somália e o Iêmen são refúgios mais prováveis e, portanto, alvos em potencial de operações militares, abertas ou não, da aliança ocidental depois do Afeganistão.

Veja – O Oriente Médio incendiou-se de novo. Agora com o aumento das desconfianças a respeito do papel que poderá ser desempenhado por Yasser Arafat na contenção do terror palestino. O senhor suspeita das intenções de Arafat?
Friedman –
Arafat muda de posição em função de sua tática. Não é fácil, portanto, defini-lo. Agora, por enquanto, ele está vendo alguma utilidade em se mostrar moderado. Obviamente, para que ele pareça moderado, é preciso que existam os extremistas. Eles existem, e Arafat aproveita-se deles. Como não poderia eliminar o Hamas nem o grupo Jihad Islâmica mesmo que quisesse, ele os usa politicamente para extrair o máximo de apoio dos Estados Unidos.

Veja – John Walker, o jovem americano que se juntou aos talibãs no Afeganistão, mostra que o islamismo pode ser uma ideologia atraente para a juventude ocidental?
Friedman –
De maneira alguma. Esse caso é um incidente isolado que se esgota em si mesmo.

Veja – A sensação de insegurança aumentou muito no mundo ocidental depois de 11 de setembro. Esse risco é real?
Friedman –
Não exatamente. A idéia de que se pode proteger de todos os perigos sempre foi perseguida em vão pela humanidade. O ataque às torres em Nova York e ao Pentágono não tornou o mundo mais inseguro. O que aumentou brutalmente foi a sensação cada vez mais nítida de que a qualquer momento podemos ser vítimas de algum mal. Essa possibilidade sempre existe, mas, como tendemos a nos deixar influenciar pela memória recente, ficamos pensando que o desastre está esperando ali na frente. O ataque de setembro passado nos Estados Unidos poderia ter ocorrido um ano antes. Não ocorreu. Ou seja, passamos um ano inteiro nos imaginando seguros quando não estávamos. Agora é natural que nos sintamos mais inseguros do que realmente estamos.

Veja – Por que os serviços secretos dos Estados Unidos e de seus aliados falharam tão miseravelmente em prever o ataque de setembro?
Friedman –
Certamente não foi por falta de informação. Os serviços secretos lidam com um volume enorme de informações, mas muitas vezes não sabem o que fazer com elas. Infinitamente mais difícil que recolhê-las é interpretá-las. Dar-lhes um sentido e produzir uma ação defensiva é um trabalho extremamente complexo. O segredo está em saber filtrar a montanha de indicações e informações que chega. É nesse ponto que os serviços secretos costumam falhar de forma grotesca. Os atentados nos Estados Unidos ocorreram sem aviso prévio em virtude dessa incompetência.

Veja – Que informação atualmente pode ser considerada a mais valiosa?
Friedman –
Sem dúvida alguma é aquela a respeito do próximo ataque terrorista de alguma grande organização, em especial da Al Qaeda, de Osama bin Laden. Ou as informações que levem a uma avaliação segura sobre até que ponto chegou a infiltração da Al Qaeda no Ocidente, na sociedade e nos governos orientais amigos dos Estados Unidos. Os governos ocidentais certamente dariam fortunas a quem lhes dissesse com segurança o que sobrou da equipe de Laden no Ocidente e como suas células preparam novas operações. Quais são os principais alvos da Al Qaeda agora e como ela se estrutura? São perguntas que não calam. Infelizmente, não existe uma fonte única em que tais informações estejam estocadas. Muito provavelmente nem na própria cabeça de Laden. Essa informação é escorregadia, fragmentada e muito difícil de ser encontrada em segmentos que façam sentido.

Veja – Osama bin Laden é o inimigo mais esperto dos Estados Unidos em todos os tempos?
Friedman –
Não sei se Laden tem tanta inteligência e poder. Mas em seu grupo com certeza há estrategistas brilhantes. Eles sabem usar os recursos com muita competência. O fato é que colocaram os Estados Unidos em uma posição delicada, como poucas vezes o país se viu anteriormente. E olha que os Estados Unidos têm o péssimo hábito de subestimar seus inimigos. Fizeram isso com o Vietnã e com o Japão. Os resultados dessa atitude são conhecidos.

Veja – O que efetivamente se sabe sobre Laden e sua organização?
Friedman –
Sabe-se que são especialistas que agem dentro de suas competências específicas. São muito racionais. Não atuam por impulso ou emoção. Antes da ação militar americana e da ofensiva da Aliança do Norte, eles recebiam treinamento durante um ou dois anos no Afeganistão. Em seguida, infiltravam-se no exterior. Agiam como qualquer imigrante árabe. De repente, sumiam dentro do país. Comunicavam-se muito pouco com a base no intervalo de suas ações. Por isso, os serviços de inteligência americanos tiveram dificuldade em identificá-los e impedir suas ações. Algumas dessas células, chamadas "dormentes", podem ainda existir nos Estados Unidos.

Veja – Sua empresa, a Stratfor, tem sido chamada de "a CIA paralela", por ter armado uma rede mundial de informantes. Como funciona sua organização?
Friedman –
Não gostamos de ser comparados à CIA. O que nos leva a ter uma atuação eficiente é justamente sermos pequenos. Não temos uma organização hierarquizada. Nossos agentes não recebem treinamento. São pessoas absolutamente convencionais mas muito bem-informadas sobre as sociedades onde vivem. Isso é importante porque os especialistas, que estão acostumados a trabalhar como informantes profissionais, já não se surpreendem com mais nada. Tudo para eles é lógico, comum e pouco atraente. Os jovens e os novatos no ramo não são assim. Eles ficam surpresos. Vêem algo diferente e valioso nas menores coisas. Quem trabalha com isso há trinta anos não se entusiasma nem faz perguntas básicas que podem levar a informações preciosas. A curiosidade é fundamental em nosso trabalho.

Veja – Como o senhor faz para receber as informações coletadas em campo por seus informantes?
Friedman –
Pela maneira mais segura, rápida e eficiente de que se tem notícia, a internet. Foi graças a esse mecanismo universal, cujo custo beira zero, que conseguimos captar as informações de nossos milhares de associados no mundo. A internet nos permite agir de modo revolucionário. Nossos leitores logo se tornam também nossos informantes. Alguns por puro diletantismo. Outros porque querem influir em nossa maneira de pensar e analisar o mundo e porque sabem que temos clientes poderosos. Outros o fazem por dinheiro mesmo. Regularmente, recebemos informes muito preciosos de regiões distantes e áreas remotas do Paquistão e da Arábia Saudita.

Veja – Numa reportagem do Wall Street Journal, a Stratfor é descrita como tendo o mesmo papel que a CNN teve na Guerra do Golfo em 1991. Ou seja, como fonte de informações estratégicas para o governo e os militares americanos. Isso é verdade?
Friedman –
Nós somos os melhores no que nos propomos, que é juntar informações que fazem algum sentido quando colocadas lado a lado. Temos vantagens enormes sobre a CNN. A maior é que a CNN tem de dar as notícias em trinta segundos. É muito pouco tempo para aprofundar algum assunto. Não temos essa urgência. Nós conseguimos falar com maior propriedade e apresentar diferentes versões sobre o mesmo assunto ao mesmo tempo que informamos qual a vertente que achamos mais sólida.

Veja – Como o senhor formou sua rede de informantes?
Friedman –
A idéia original era cobrir todo o mundo sem gastar muito dinheiro. Chegamos à conclusão evidente de que o serviço teria de se basear fortemente na internet. Esse foi o primeiro passo. Começamos então com uma turma de quinze amigos que se propuseram a missão de apresentar todos os dias pelo menos uma informação sobre determinado país ou evento que não poderia ser obtida em nenhum outro veículo de comunicação. Foi assim que começamos. Hoje temos milhares de informantes espalhados por todos os países do mundo. Há pouco mais de dois anos, sentimos que o negócio estava ficando sério. Naquele ano notamos que nosso site registrava diversas entradas originadas no Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Eles freqüentemente acessavam o site e pegavam informações sobre a região do Kosovo. Daí em diante atingimos um nível de credibilidade e de acerto muito grande. Nós previmos a guerra em Kosovo um mês antes de ela começar de fato. Provamos nossa eficiência.

Veja – Como o senhor controla tanta gente espalhada pelo mundo?
Friedman –
Por e-mail. Há trinta anos, para colocar agentes infiltrados no solo da União Soviética, a CIA enfrentava uma dificuldade absurda. Mais difícil ainda era fazer as informações chegar aos Estados Unidos. Usava-se toda uma gama de equipamentos de alta tecnologia e preços impagáveis. Hoje é possível comunicar-se com alguém na Sérvia sem dificuldade. O custo da comunicação instantânea caiu vertiginosamente. Você pode se comunicar com o mundo tendo uma assinatura gratuita de correio eletrônico no Hotmail, por exemplo. Foi esse avanço que tornou possível ao setor privado, onde me incluo, entrar no ramo do serviço de inteligência. Antigamente, somente os governos podiam bancar uma estrutura como a que temos na Stratfor.

Veja – O senhor já foi espião?
Friedman –
Nunca fui espião. Fui professor de ciências políticas. Tenho doutorado na área de temas governamentais. Uma coisa que estudei com muito cuidado foi política de segurança nacional e como as organizações de inteligência trabalham.

Veja – Qual foi seu maior erro?
Friedman –
O euro. Nunca acreditamos que a moeda única européia pudesse vingar. Em 1996 fizemos uma avaliação muito negativa do papel do euro na economia européia. Ao contrário do que prevíamos, não houve recessão em razão da adoção da moeda única. O euro ainda está de pé. Se vai sobreviver por muito tempo é outra questão. Mas o fato é que erramos.

Veja – Qual a previsão da qual o senhor mais se orgulha?
Friedman –
Anunciamos um ano antes a eclosão da crise asiática de 1997. Aquela foi uma das crises mais danosas para a economia global. Poucas pessoas acreditaram no alerta que fizemos. A verdade é que pouca gente até hoje entende como o mercado asiático funciona. Mas tínhamos certeza. Nossas análises dos balanços dos bancos não deixavam dúvidas. Muitos acessaram as mesmas informações mas simplesmente não tiveram a coragem necessária para admitir que a situação era negra. Nós, ao contrário, adotamos como regra dizer o que achamos correto. Freqüentemente falamos coisas que assustam.

Veja – Qual é a informação mais cara?
Friedman –
Isso depende de quem se interessa por ela. A informação mais valiosa não interessa a todos. É uma informação muito específica e serve a uma empresa num determinado período de tempo. Isso pode custar algumas dezenas de milhares de dólares. Depende do grau de dificuldade que enfrentamos para obter a informação correta. Pode ser um simples "sim" ou "não".

Veja – O senhor está ficando rico com esse serviço?
Friedman –
Não tanto quanto queria. Mas tenho conseguido acumular uma razoável quantia de dinheiro. O nosso site é um modelo. Enquanto outras empresas pontocom começaram a cair, a nossa está em plena ascensão.

Veja – Os atentados do dia 11 de setembro mudaram o mundo?
Friedman –
O mundo não mudou. Sempre tivemos crises econômicas e guerras. O dia 11 de setembro só veio nos lembrar que o mundo é um lugar bastante complexo e perigoso, onde as ações drásticas não são motivadas apenas por questões políticas e econômicas. O mundo sempre foi assim. Onze de setembro foi uma lembrança disso.

Extraído da Revista Veja: Edição 1 730 - 12 de dezembro de 2001

 

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